9 de agosto de 2010

Carta à minha filha:

Minha querida,

Estava pensando no quão difícil é a tarefa de educar um filho nos dias de hoje. Recebi ontem, no dia dos pais, um e-mail do seu avô, cujo um trecho copio abaixo:
"Sou um homem feliz, pois foi com vocês que conquistei essa deliciosa sensação e pude entender a responsabilidade que é tornar-se pai um dia. Não é perfeição que descrevo aqui, estou muito longe disso, o orgulho que sinto vem muito mais das pessoas que vocês se tornaram do que de minha participação efetiva no dia a dia."
Confesso, este trecho me encheu de alegria e de medo. Alegria, claro, porque ele se referia a mim e aos meus irmãos, com exceção do caçulinha, todos criados, com vida encaminhada e cabeça boa. Mas o medo me deixou confusa, angustiada...pensei em você, tão adorada, tão cheia de indagações infantis, tão carinhosa e teimosa, no auge dos seus 6 anos.  Será que eu vou conseguir te ensinar tudo? Essa sensação esquisita vem me acompanhando há um tempo. Quando você era um bebê, eu te alimentava, te vestia, inventava canções, te cobria de beijos e você ficava bem.Agora nem sempre você fica bem... quer escolher as suas próprias roupas e sapatos e muitas vezes briga comigo. Reclama porque tem que almoçar e jantar... quer telefonar a qualquer hora para suas amiguinhas...
 Minha filha que me pergunta tudo sobre tudo: mãe, por que você não se casou de noiva com meu pai? Por que o vidro do carro tem que andar fechado e  por que tem ladrão? Por que aquela criança pede dinheiro na rua, cadê a mãe dela? Por que eu não posso ir com você e meu pai na balada e com quantos anos eu poderei? Por que tem gente pobre? Por que tem gente má? Por que Deus não salvou aquelas pessoas que morreram, por que eu não posso tomar Nescau na mamadeira? Mãe, por que eu não posso ver essa novela? Menina beija menina? Por que eu não posso brincar a manhã inteira? E por que tenho que me apressar?
Ai minha querida, a vida anda muito complexa.Confesso que tento ter toda a paciência do mundo misturada com sabedoria e vontade de acertar, mas me vejo às vezes sem palavras, logo eu, que tenho sempre muito a dizer. O meu maior medo é esse danado desse tempo que atropela e engana a gente...parece que as crianças de hoje estão crescendo mais rápido! Nem tá dando tempo de absorver...e tenho medo dessa pressa... desculpe-me por te tirar das suas brincadeiras, eu sei que você ainda só tem 6 anos, mas precisamos agilizar a nossa manhã entre banho, dever de casa e almoço, afinal, a vida lá fora também nos chama. Quanto à leitura que insisto tanto, desculpa-me, meu amor, não quero ser chata, mas se soubesse o quanto o mundo se torna mais interessante para quem lê...e o livro vai te fazer as vezes de um bom amigo... vai te ajudar a enfrentar a solidão e o tédio,(que inevitavelmente nos encontram) e vai te ensinar sempre um pouquinho sobre tudo...ele acaba promovendo, lá na frente, um reencontro com você mesma... pobres criaturas que não têm esse conforto. A vida sem poesia é tão dura...existem muitas coisas duras nessa vida. Realmente me sinto até desconcertada em dizer isso a uma criança de 6 anos.Mas, minha filha, existem crianças abandonadas sim. Acho que o mais chocante pra você não foi ver a criança pobrezinha, de roupa velha e pé no chão, mas sabê-la sem mãe...como pode? Preciso te ensinar sobre o amor. Preciso te mostrar, de um jeito doce, que meninos e meninas podem se amar, mas também há o amor entre meninas e aquele entre meninos...preciso te mostrar que estarei sempre com você porque escolhi assim e que para ser mãe a gente tem que escolher... e também para se casar, a gente tem que escolher... dá pra separar também, por isso,a importância da escolha...desde a escolha da roupa (que tem que se adequar ao clima e ao propósito), até as escolhas maiores. Tenho que te ensinar a ser gentil, minha filha. Com você e com os outros. Tem mágica nas vozes suaves, nos sorrisos espontâneos. Tem mágica na vida de quem olha sem muito julgamento, porque algum, não tem jeito, a gente sempre faz. Quando te coloco pra pensar no que fez, não faça essa carinha de tristeza....  é muito mais fácil crescer com este hábito, pois, cedo ou tarde, respondemos pelo que fazemos, portanto, nada como treinar desde já. Tenho que dosar um pouco entre te cobrar demais e ser condescendente. Essa tarefinha é difícil, mas penso muito a respeito e gostaria que um dia você aprendesse também a achar o seu equilíbrio. Preciso te falar sobre filmes, sobre flores, sobre amigos, poesias, música e trabalho... aos poucos te mostro a minha emoção ao alugar um título, ao enfeitar a casa, ao ligar o som... mas tenho medo que seja pouco. Acho que farei isso mais vezes, vou ler mais pra você, te levar mais ao cinema, te contar mais sobre a vida. Quanto às novelas, desculpe-me mais uma vez... você não perde nada, meu amor. Ainda é muito cedo discutir sobre paranóias, ver gente o tempo todo pelado e ouvir tantas brigas e discussões. Tem o Sítio do Pica Pau passando ou  a Teca na TV. Quando nos cansarmos, vamos inventar a melhor das histórias! Para o vidro fechado, nem dá pra inventar. Tem mesmo gente má. Ponto.
 Será que você vai se lembrar de tudo quando estiver sem mim? Tem a parte da salada, das vitaminas, da saúde...a gente tem que  cuidar das nossas coisas, da gente, dos dentes... e não se esqueça, por favor: nunca atravesse a rua sem olhar para os dois lados e, por enquanto, sem agarrar a minha mão... não dê resposta atravessada às pessoas... dê bom dia, meu amor. Seu sorriso é lindo. Pode brincar muito, de verdade. Mas faça o dever de casa primeiro! Não feche seus olhos para aquela criança descalça...continue a se comover com isso. Isso é  que é importante... tem tanta coisa ainda, mas a gente chega lá. Vou tentar me adaptar a esse tempo que vôa. Enquanto isso, vamos vivendo, nós duas, cultivando nossas flores e fazendo nossas viagens.A parte da "balada" fica mais pra frente...(rs)
É, pai...deve mesmo dar um baita orgulho ao olhar para trás, viu!

10 comentários:

  1. Jan,se você conseguir que sua filha continue se incomodando com a criança desprotegida no sinal, sacando que o vidro do carro fechado mostra que o mal existe lá fora...pode ter certeza de que está no caminho certo.

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  2. Inevitável não deixar as lágrimas correrem ao ler essa declaração para Keka. Pode ter certeza que um dia ela lembrará de cada bronca, cada pergunta, cada leitura, cada carinho que você proporcionou a ela. E essas lembranças a farão bem porque foi com esses limites, esses carinhos que ela se tornará quem ela é...
    Eu ainda não sei o que é ser mãe, nem sei se nessa vida saberei. Mas sei o que é ser filha amada de pai e mãe... e ficaram as melhores lembranças. Até das palmadinhas que levei...rs Hoje conto dando risadas e saudosa...
    Que orgulho irmã ler essa declaração para sua filha.

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  3. Como Alê disse: "Inevitável não deixar as lágrimas correrem ao ler essa declaração para Keka". Ai, como chorei...! Que mãe linda que você é Jan. Caramba, quanta coisa para ser ensinada, mas tenho certeza que você está no caminho certo!

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  4. Jan, sugiro que imprima, guarde e de quando em vez, leia e releia para Keka essa verdadeira, expontânea e maravilhosa declaração. Keka, no seu crescimento e desenvolvimento e a seu tempo, vai entender todas essas preocupações de quem tem a responsabilidade de ter filhos.
    Jan, daí vem aquele baita sentimento de um pai ou uma mãe pelos filhos que geraram e se tornaram pessoas dignas de orgulho.
    Beijos do seu pai.

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  5. Fico imaginando quando ela for adulta lendo esta carta. Que presente!

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  6. Que linda a carta! :-)

    Realmente é muito difícil educar nos dias de hoje... Mas essa carta mostra toda a sua sensibilidade e vontade de fazer dar certo.

    Parabéns! Bjos!

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  7. sem comentários, só muita emoção, um nó apertando a garganta e lágrimas...
    desde pequena eu já sabia que voce era especial, mas confirmar isto dá uma felicidade quente por dentro.
    te amo Jan! e fico muito orgulhosa por vc ter dado o meu nome para a sua princesa.
    bj.

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  8. Ânônimo, espero estar na trilha!!! Beijos!

    Alê querida, sempre tão presente! Tenho certeza que você será uma mãe ma-ra-vi-lho-sa!

    Dani, mãe há quase 3 meses... Dinda há 6, minha amada irmã, companheira de estrada, obrigada!

    Pai, obrigada por me incentivar! Vou imprimir, sim.

    Lilly, estou feliz por ter te conquistado como leitora!

    Pri Sganzerla, tenho dado muitas boas risadas com seus episódios "mãe!" Obrigada pelo carinho!

    Querida Chel... nossa! Especial é você! Não é à toa que minha filha tem seu nome.

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  9. Jan, mais uma vez, perfeita!
    li e reli , com olhos marejados! A Keka tem uma mãezona e tanto! ô tipinho bom que vc é!
    Ai ai, fiquei imaginando eu e minha gorduchinha embarcadas nessa aventura....
    te adoro

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  10. Janjan tb me emocionei!
    Muita coisa depende de nós, mas muita coisa é construída nesses coraçõezinhos de forma totalmente independente do que dizemos e fazemos! Não temos o controle de tudo e nem a responsabilidade de tudo! Isso não é libertador! Pode ter certeza que muito valor tb nos concerne o fato de tentarmos não dar nome e nem sentido para tudo! Tem coisas que são deles e pronto, com humildade devemos deixar que `isso sem nome` que ocupa a vida de nossos querido, fique ali... incólume!
    Je vous aime!

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